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Fogueteiros se esforçam para manter a tradição


02/07/2007, 13:43


Beleza contracena com o perigo
Rompendo a escuridão da noite interiorana, faíscas se sobrepõem, pintando com chamas o negro que preenche o ar após o crepúsculo. É noite de São João. É noite de São Pedro, é mais uma noite do mês de junho. E as espadas, buscapés e limalhas dançam ao som do forró, num espetáculo onde a beleza e teatralidade contracenam com o perigo, dando vida a uma das mais tradicionais festas brasileiras, o São João.

 

Mas a tradição dos fogos de artifício dá sinais de fadiga e declínio. No município de Estância, um dos principais pólos de venda e produção de Sergipe, a comercialização de espadas e buscapés vem diminuindo a cada ano. Ainda assim, os mestres fogueteiros continuam produzindo e vendendo.

 

Essa diminuição pode ser vista nas oficinas dos mestres. No bairro Porto da Areia, tradicional recanto da lida com a pólvora, Emanuel Antônio dos Santos, o “Tonho da Lixa” é um dos mais conhecidos. Ele conta que a fabricação dos seus artigos no começa no início de março, e até o último dia de junho, próximo ao dia de São Pedro, as vendas atingem seu ápice. Mas ele confirma o que outros fogueteiros estancianos também garantem: a cada ano diminui a produção dos fogos.

 

“No ano passado fiz cerca de 600 dúzias de espadas e buscapés. Este ano fiz umas 300 dúzias, e as vendas estão fracas”, falou Tonho da Lixa, que há 40 anos põe as mãos na pólvora. Ele afirma que as vendas continuam, mas vêm diminuindo anos a fio. Há poucos anos ele chegou a ter mais de 15 ajudantes na sua oficina. Hoje apenas cinco homens trabalham com ele.

 
Outro destaque de Estância são os barcos de fogo

Povoados como Bonfim, também em Estância, já portaram o título de pólo de produção de fogos. Hoje em dia, nenhum morador do local se dedica a esta atividade. E em outros municípios isso também vem acontecendo, o que representa um enorme prejuízo para a economia da comunidade, e até do município. Os moradores do pequeno povoado Porto da Areia vivem basicamente da pesca. A renda extra no período junino costuma garantir uma poupança para as épocas em que a rede de pesca teima em retornar vazia à canoa. Sem contar que muitos aproveitam para fazer melhorias em suas casas e resolver problemas financeiros.

 

Tradição

 

Pode até parecer que as brincadeiras com fogos de artifício estão saindo de moda, mas para várias pessoas, o São João sem as faíscas, fumaça e estouros não tem graça. É o caso de Aislan Primo e Arlindo Souza. A dupla de aracajuanos não dispensa soltar algumas espadas durante o São João e o São Pedro, e há cerca de dez anos, se repete o mesmo ritual: eles vão até Estância comprar várias dúzias de buscapés, diretamente aos mestres fogueteiros.

 

“Desta vez estamos comprando 24 dúzias, para soltar durante o São Pedro, em Capela. Sai bem mais em conta do que comprar na capital”, falou Aislan. E Arlindo complementa: “Fazemos questão de vir até Estância para comprar as espadas aqui. O fogo é mais bonito, elas são mais fortes. Em todos os cantos de Sergipe, os fogos feitos aqui são conhecidos pela sua qualidade”.

 

Fabricação

 

Desde outros tempos, quando nas noites juninas as comidas típicas eram inevitavelmente acompanhadas pelos fogos, e as guerras de buscapés faziam parte da tradição das ruas e bairros, o processo de fabricação permanece. Mesmo com a morte de alguns mestres fogueteiros, e a desistência de outros, cada etapa da fabricação continua sendo totalmente artesanal.

 

Fabricação continua sendo artesanal
O perigo parece acompanhar a “linha de produção”. A mistura de pólvora e fogo sempre causou muitas mortes e acidentes nas oficinas. E é na produção dela que tudo começa. Ao som do forró, o mestre e seus assistentes rodeiam e batem a pólvora, no pilão. A zabumba dá o ritmo e organiza a atividade, para que todos soquem ao mesmo tempo.

 

Dali, o pó vai para as tabocas, onde é socado com fortes golpes de uma marreta. Mas antes disso existe toda uma preparação para as tabocas. Retiradas dos bambuzais com alguns meses de antecedência elas são acumuladas e tratadas para ficarem com a cor branca. Depois são rodeadas por uma espécie de barbante, que lhes garante maior resistência. Muitas vezes esse serviço é feito pelas crianças ou mulheres, na porta das suas casas.

 

Daí elas são preenchidas com barro em seus fundos, que também é socado com a mesma pequena marreta. A cerâmica evita que a parte de baixo também seja queimada durante a combustão dos fogos. Só então a taboca está pronta para receber a pólvora. Depois, as mulheres cobrem o artefato com papéis e fazem pequenos adornos. E eles vão para o depósito, onde aguardam as datas festivas.

 

Por Max Augusto

 

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