A Festa do Mastro em Capela

Texto organizado por Lindolfo Amaral, a partir da entrevista realizada por Mariano Antônio com "Seu" Manuca, um dos responsáveis pela Festa do Masiro.

"EU AGRADEÇO
MUITO OBRIGADO
MUITO OBRIGADO
EU AGRADEÇO . . .

¯"Este ano tá mais animado que os outros."
¯"Parece que cada ano o número de pessoas aumenta mais."
¯"Eu gosto muito. Fico aqui olhando, vendo passar."
¯"Eu não sei cantar a música, mas ela sabe. Venha aqui, cante a música para ele ouvir:

"Olhe a sarandaia, olha a sarandaia
Acorda minha gente
Pra brincar a sarandaia . . ."

Estas são algumas observações dos moradores da cidade de Capela. durante a realização da sarandaiai (O termo Sarandaia ou Sarandagem, segundo os dicionários, signifca vadiagem, vagabundagem, andar em pagodes, brincar, divertir-se), festa que abre as comemorações do ciclo junino.

Ela tem início às 22 horas do dia 31 de maio. A sua realização é muito simples: sai um grupo de pessoas ao som de um terno de Zabumba, com um balaio (cesto), seguido por aláuns bacamarteiros, pelas ruas da cidade cantando:

Oi "seu" (fulano)
Abra essa porta
Que eu quero beber
Hoje é primeiro
De São João

Traga a cachaça
Pra nós bebes.
Se não tiver cachaça
Traga dinheiro
Pra nós pagar o zabumbeiro

(Recolhido na Sarandaia de Capela no ano de 1994, pela Prol~ Aglaé D'Ávila Fontes de Alencar).

Inicialmente o cortejo é acompanhado por poucas pessoas e vai aumentando durante o seu percurso. As casas estão fechadas, as luzes apagadas, porém ao ouvir "a pedição" acende-se a lâmpada, abre-se a porta e recebe-se os músicos com bebida (cachaça). Em seguida o dono da casa oferece um presente para ser colocado no mastro, no dia de São Pedro. Os músicos agradecem e seguem em direção a outra residência. O cortejo segue noite adentro pelas ruas previamente selecionadas. Os moradores vão se envolvendo, cantando, dançando e os bacamarteiros dando seus tiros.

"A festa é boa, é a melhor de Capeia. A festa tem mudado pra melhor. O povo tá participando mais e é a primeira festa do mês de São João".

(José Altamir, zabumbeiro, há 25 anos acompanha as saídas da sarandaia, da baiana e o Mastro).

Segundo "Seu" Manuca (Manoel Oliveira Andrade), um dos organizadores da festa, tudo começou em 1939.

"Iniciamos a festa por intermédio de uma família tradicional aqui de Capela, a família Melo: Nelson Francisco de Melo, Napoleão Francisco de Melo, Wilson Melo e Anderson Francisco de Melo. Eu, rapazinho novo, tocava trompete na Orquestra e até na casa deles mesmo em farra. O Napoleão tinha uma bodega, então ele se entendeu com os irmãos de fazer um Mastro de São Pedro, e a partir daí nós sempre comemoramos, até hoje, a rapaziada nova e eles mais velhos. Até hoje eles vivem. Criaram o Mastro de São Pedro. Mas acontece que esse Mastro devia arrecadar uns prêmios, isso em 1939. Para fazermos isso, criamos a sarandaia, que é essa que nós estamos procedendo hoje. Foi pedido prêmio na casa do pessoal amigo, na cidade toda, indo de porta em porta. Então o Sr. Nelson que era o mais velho e o Sr. Napoleão Melo, arranjaram uma turma, inclusive eu e meus colegas da banda de música. E aí nós saímos depois da meia-noite no dia 31 de maio para o dia 1 ° de junho, pedindo os prêmios para serem colocados no mastro, para ser queimado na antiga rua da Palmeira. Daí o povo gostou da festa".
"No dia 29 de junho de 1939, foi o primeiro Mastro de São Pedro. Mas daí veio uma criação muito certa, é que esse Mastro precisava fazer um casamento, e em 1940 fez-se um casamento. Então começou a se comemorar toda a festa de São Pedro a começar de São João. Nós já fazíamos a alvorada no dia 1 ° de junho, já era o mês todo de São João. Então, lá vem o casamento da tabaroa, da cigana tabaroa".
"Nós saímos 15 dias antes da festa de São Pedro para escolher o Mastro dentro do mato, uma mata grande. Aquela porção de amigos vai cortando e fazendo uma batida que é para quando no dia da apanha do mastro já está tudo certinho, nós só vamos cortar".
"Com toda esta desmatação que houve, Capela perdeu a ecologia, as matas . . . Então nós temos aqui a mata do Junco, tem uma base de 30 anos que a gente vem tirando na mata do Junco Novo, no povoado Lagoa Seca, que pertence a Ariosvaldo Barreto, enquanto as outras matas que eram de José Cabral Neto, e do Sr. Marcos Ferreira dos Santos, já foram extintas".

Outro fato curioso, só encontrado na cidade de Capela é a saída da baiana ou "Nega Baiana", como chama "Seu" Manuca, à procura de presentes para o Mastro. No dia 28 de junho às 15 horas, um homem se veste de mulher: uma saia bem rodada, torço e um cesto imenso na cabeça. Sai da Prefeitura acompanhado do terno de zabumba, pelas casas comerciais pedindo presentes para o Mastro. O cortejo é sempre acompanhado por diversas pessoas e dá-se de maneira rápida. Por volta das 18 horas, encerrase na Prefeitura, onde são guardados os presentes para no dia seguinte serem colocados no Mastro.

"Nega baiana, de vestido branco ou mesmo estampado, sapato alto, brincos, etc. Então nós saímos apanhando os prêmios nas casas comerciais. Dia 3i de maio, nas residências, e no dia 28, à tarde nas casas comerciais. Arrecadamos esses prêmios todos e guardamos na prefeitura para no dia 20 de junho colocar no mastro".

A festa do Mastro em Capela tem uma característica bem particular: hoje é conhecida como a festa da lama.

Depois que a árvore é cortada e retirada da mata, começa o cortejo em direção à cidade. A partir desse momento as pessoas sujam-se umas as outras de lama e vão melando todas as pessoas ao longo do cortejo até chegar na Praça São Pedro.

"A turma tem prazer de ir buscar o mastro e vim melado, bebendo, cantando, tocando zabumba, dançando, aquele "pau pesado" e tome bebida e quanto mais chove, melhor. A turma vem molhada. Tudo com respeito. Pega uma camisa velha, coisa e tal, pra perder ela. Na ida não, na volta, você perde sua camisa, já vem meladinho de lama. O povo joga lama em você, você joga também em cima deles e aí até nós chegarmos até a cidade. Nós temos uma "Praça São Pedro", lá colocamos o Mastro."
"Quando o Mastro chega, antes de enfincar, nós penduramos logo, amarramos os prêmios, aquela ""ruma" de homem na força bruta, corda, etc.. Abre-se um buraco e enfinca-se o Mastro e ficam os prêmios lá pendurados, seja lá o que for, whisky, dinheiro, camisa, bebidas, fica tudo lá pendurado. Então esse Mastro é sacudido como se fosse uma fruteira. À noite, acende-se uma fogueira que queima o pé e quando ele cai, jogam os busca-pés em cima do pessoal que vai pegar os prêmios. O pessoal se veste, na maneira que for, se arrisca, mas vai apanhar, o busca-pé, em cima, mas não deixam nada. A verdade é que o Mastro cai e não fica nada de prêmio e encerram-se as festividades. Agora vamos brincar, dançar, bailes, até o dia amanhecer O Mastro não tem hora pra cair, é de acordo com a potência da madeira. Se for uma madeira muito forte, pode demorar duas, três horas, ou pode demorar meia hora, a depender da madeira ele queima logo, ou demora".
"Antigamente, aparecia Reisado, brinquedo de roda, mas isso acabou. Na casa da mãe Helena Ribeiro, tinha brinquedo de roda. Cada um pegava alguém e brincava até o amanhecer. Mas isso em comemoração ao São João e São Pedro é uma das maiores festas que eu considero e hoje nós não podemos mais parar de fazer isso, porque os prefeitos tomaram gosto e estão melhorando. Também não se tinha reportagem, rádio... etc."
"Hoje o povo tá tomando um caráter diferente. É um folclore. Antigamente, já era uma festa, e hoje é uma festa folclórica, de uma tradição que não pode se deixar e está melhorando, graças a esses prefeitos por nos ter dado uma ajuda. Agora ele elevou. O ano passado já saiu no Fantástico. Por sinal eu dei uma entrevista com o machado nas costas. Eu tenho dois filhos em Santos-SP, e eles me viram - "Olha o meu pai com o machado nas costas, na entrevista do Fantástico."

O nosso trabalho aqui prendeu-se ao fato de registrar a festa que vem acontecendo há mais de 50 anos.

Não buscamos analisar aspectos apresentados por ela, porém chamou-nos à atenção a forma como um dos seus organizadores a definiu: uma festa folclórica e não uma simples festa.

Essa observação nos remete ao aspecto conceitual e também à dinâmica em que vivem as manifestações populares, bem como as ciênciais sociais.

Como nós sabemos da existência de fundadores da festa de Capela, podemos afirmar que a mesma não tem nenhuma relação com o conceito de folclore (anonimato é uma das características do folclore). A festa do mastro não é exclusiva da cidade de Capela, ela ocorre em diversas cidades da região Nordeste, com características distintas e o registro da 1ª á Festa do Mastro não se tem. Ela se mantém em diversos locais, ao longo de décadas e mais décadas, consequentemente tornou-se um fato folclórico, exatamente por esses aspectos expostos acima.

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